Isso é o que você talvez tenha perdido sobre a economia em 2021
Em maio deste ano, a marca italiana Gucci decidiu lançar uma versão digital da sua bolsa Dyonisius no jogo Roblox.
Sem qualquer efeito no jogo além de ‘ostentar’, a bolsa se tornou um item raro por conta do prazo limitado de vendas e unidades também limitadas.
Em uma revenda, o item digital acabou sendo vendido por US$ 4,1 mil dólares. O problema? A unidade física da mesma bolsa custa US$ 3,4 mil.
O ano de 2021 foi, sem sombra de dúvidas, um ano atípico. Enquanto diversas partes do mundo ainda enfrentam os efeitos da Pandemia, como uma inflação fora de controle, outras veem o excesso de liquidez (dinheiro), gerado pelos bancos centrais, causar distorções surrealistas.
Em alguns estados americanos, por exemplo, a grana extra tem levado trabalhadores a desistir de trabalhos menos qualificados. Cerca de 4 milhões de americanos têm simplesmente abandonado o trabalho todos os meses.
Como consequência, adolescentes de 14 e 15 anos têm sido chamados por redes de Fast Food para trabalhar por US$ 14 a hora (cerca de R$ 50 considerando a paridade do poder de compra).
Os mais velhos, na faixa dos 19 ou 20 anos, já estão assumindo postos de gerência em redes como McDonald’s ou KFC e ganhando salários em torno de US$ 50 mil dólares anuais.
Na bolsa, empresas como a Rivian Automotive, uma fabricante de pickups elétricas, fez o seu IPO valendo US$ 90 bilhões.
Um pequeno detalhe chama a atenção: a empresa jamais vendeu um único veículo.
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Com apoio da Amazon, que comprou 25% da empresa em 2017, a Rivian tem sido a aposta de inúmeros investidores para fazer frente a Tesla, a empresa de Elon Musk.
A própria Tesla colabora para a ideia de que as coisas estão um pouco “malucas”. A empresa, responsável por menos de 1% do mercado automotivo global, possui um valor de mercado de US$ 1 trilhão, mais do que Toyota, Ford, Volkswagen, GM, Renault, Hyundai somadas.
No Brasil, a situação tem se tornado tão peculiar quanto lá fora, mas nos nossos próprios termos.
As finanças públicas estão se recuperando em uma velocidade impressionante. No acumulado até outubro o setor público consolidado teve um resultado negativo de R$ 20,4 Bilhões (0,24% do PIB), contra um déficit de R$ 33 bilhões (0,56% do PIB), em 2019.
Sim, o governo, em especial os estados, já se recuperaram da crise e agora apresentam um resultado “folgado” em contas.
Estados e municípios tiveram receitas de 23,3% do PIB, contra despesas de 21,2%.
A diferença equivale a cerca de R$ 160 bilhões a mais em receita do que despesas.
Na outra ponta, a renda do trabalhador caiu até 4% em junho deste ano, comparado ao mesmo período anterior.
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A inflação perdeu o rumo, chegando a 10,74% em 12 meses. Número que superou 2015, se firmando como a maior desde 1994, com a criação do Plano Real.
É da inflação, como escrevi por aqui já em junho deste ano, que decorre boa parte da bonança do governo e seu ajuste fiscal. Combustíveis, responsáveis por cerca de 10% da arrecadação dos estados, chegaram a subir 74% no ano, com um pequeno alívio nos últimos 2 meses.
O país, de fato, voltou a gerar empregos. Não sabemos exatamente quantos, pois o governo alterou o cálculo, tornando comparações com períodos anteriores inviáveis. Acredita-se que até novembro deste ano tenham sido 2,9 milhões de novos empregos.
Por falar em empregos, graças a essa mudança de cálculo descobrimos que em 2020 o país perdeu 193 mil empregos, ao invés de ter gerado 142 mil como se acreditava antes da revisão.
Como disse o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, “no Brasil, até o passado é incerto”.
Mas falando de futuro, 2021 teve sinais conflitantes sobre o futuro.
Nas prévias de crescimento do PIB feitas pelo Banco Central, descobrimos que o país já está em recessão técnica, ou seja, o PIB teve queda em 2 trimestres seguidos. Entre abril e junho deste ano, o PIB caiu 0,4% e, entre julho e setembro, caiu 0,1%.
Alguns bancos já projetam uma queda no PIB em 2022, ainda que modesta.
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Uma das razões apontadas é a alta de juros. A Selic, a taxa básica da economia brasileira, iniciou o ano em 2%, e terminou em 9,25%.
A alta nada modesta colabora para aumentar o custo das empresas, uma das razões (além da já enfadonha instabilidade política), para a queda na bolsa.
Até este momento, a bolsa segue em queda de cerca de 11%. Na prática, se você comprou um Fiat Marea, bateu o CDI e a bolsa.
Carros usados explodiram de preço neste ano, com o Marea usado subindo 18% no ano.
Convém lembrar que a tabela FIPE, que mede o preço de automóveis, é usada como base de cálculo do IPVA, o que na prática significa dizer que graças a crise de chips e semicondutores, você vai pagar mais imposto em 2022.
Há motivos para comemorar, porém.
Em 2021, tivemos dois avanços cruciais na economia em termos de marcos regulatórios.
Em setembro, o governo enviou a MP do Marco das Ferrovias, aumentando a segurança jurídica do setor e permitindo que o setor privado possa construir ferrovias sem depender de licitações públicas.
Pode parecer um detalhe, mas entre setembro e novembro o setor privado anunciou investimentos de R$ 100,92 bilhões em 24 novos projetos de ferrovias. O valor é mais de 70% do realizado entre 1997 e 2017, os primeiros 20 anos de privatização das rodovias federais. Tudo em 2 meses.
Na mesma linha, a BR do Mar, que facilita o transporte de cabotagem e navegação fluvial, deve ter impacto significativo no custo de produtos comercializados no país.
Ao se tornar menos dependente de combustíveis, o país deve ter um ganho de produtividade refletido na renda e nos processos. A estimativa é de que o projeto gere uma redução de 4% no preço da cesta básica.
É possível olhar para este ano e ver o copo meio cheio ou meio vazio, a depender da sua própria maneira de enxergar. Mas é fato que, ainda com todos os problemas, há pontos positivos em 2021 cujos resultados marcarão os próximos anos.
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