Finanças

Banco Garantia, Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles

Ao longo de duas décadas de negócios, o Banco Garantia só perdeu dinheiro em dois anos: o primeiro, 1976, e o último, 1998. O prejuízo inicial pode ser creditado a uma arbitrariedade tirada do saco de maldades do governo militar. Mário Henrique Simonsen, então ministro da Fazenda, expurgou quatro pontos percentuais da correção monetária e quase quebrou o banco de Jorge Paulo Lemann. O último foi barbeiragem. Excesso de confiança.

Jorge Paulo Lemman

Em meados de 1997, quando estourou

a crise cambial nos países do Sudeste Asiático, o Garantia foi duramente atingido pela fuga de capitais dos países emergentes, mas demorou a entender a extensão dos danos. Quando a Tailândia sofreu um ataque especulativo, em julho, o banco agüentou firme, esperando uma virada. Em outubro, quando Hong Kong caiu e todo o Sudeste Asiático foi contaminado, era tarde demais para recuar. O lucro do Garantia em 2007 caiu a um décimo do registrado em 1996. O patrimônio de seus fundos de investimento caiu pela metade. O banco entrou 1998 sangrando e, em maio, foi vendido por US$ 800 milhões – baratíssimo por qualquer critério que se analise – para o Credit Suisse.

Marcel Telles (à esquerda) com Victorio de MarchiO Garantia, ficou claro então, fora muito bem sucedido como máquina de ganhar dinheiro, mas não era capaz de sobreviver porque a cultura empresarial de seu início se perdeu em algum momento. A venda forçada do banco é, assumidamente, a maior frustração de Lemann. Sua visão sobre o assunto é dura consigo próprio e, sobretudo com a geração que estava no comando durante a crise. A autocrítica é de que ele não percebeu que seu time se tornara focado demais em bônus e pouco preocupado com a construção de empresa perene. O Garantia estava nas mãos de uma nova geração. Cláudio Haddad pensava em fazer algo com educação (que resultou no Ibmec São Paulo). “Outros sócios mais próximos do topo da hierarquia tinham ganho muito dinheiro e preferiram vender a prosseguir na construção. Na venda, alguns sócios mais jovens se ressentiram porque gostariam de ter continuado o trabalho de perenizar o Garantia”, diz Lemann em círculos restritos. Esse desvio da rota original coincide com o período em que Lemann se afastou do dia-a-dia do banco, depois do infarto que sofreu em 1994. Beto estava longe havia anos, pilotando a Lojas Americanas. E Marcel, desde 1989, era presidente da Brahma.

Durante o processo que culminou com a venda para o Credit Suisse, o Garantia foi alvo de críticas por parte de cotistas de seus fundos de investimento. Nos casos mais leves, eles se diziam desinformados sobre o nível de risco a que estiveram expostos. Nos mais pesados, acusavam o banco de empurrar prejuízos de sua tesouraria para os fundos de investimento. O piloto Raul Boesel, à época na Fórmula Indy, ganhou manchetes dentro e fora do Brasil ao declarar que perdera metade dos US$ 3 milhões que tinha aplicados e reclamar dos gestores do Garantia. “O banco não foi claro comigo sobre no que eles estavam investindo. Não explicavam o risco que eu estava correndo”, diz Boesel hoje em dia. Segundo ele, sua carteira de investimentos deveria ser “superconservadora”. Mas, quando a crise asiática estourou, ele descobriu que as aplicações eram “alavancadas” (as apostas dos gestores eram maiores que o patrimônio do fundo).

Cláudio Haddad, superintendente do Garantia à época, diz que se lembra do caso de Boesel, mas prefere não falar sobre ele. “O que posso dizer é que esse fundo dava 30%, 40% ao ano de ganho, ano após ano. É claro que tinha alavancagem. Ou você acha que o dinheiro nascia em árvores?”, afirma. “Nossos clientes eram investidores qualificados. Não tinha nenhuma viuvinha que tirou a poupança do Bradesco e botou no Garantia.”

Beto SicupiraSe o episódio da venda do Garantia foi o primeiro a expor Lemann, a união da AmBev com a belga Interbrew, anunciada seis anos depois, é até hoje o mais usado contra ele. A aliança que deu origem à InBev foi firmada por meio da troca de participações entre os acionistas controladores da Ambev (Lemann, Telles e Sicupira) e da Interbrew (as três famílias belgas que controlavam a cervejaria européia). Os brasileiros converteram suas ações, que representavam 22% do capital total da AmBev, em 25% do capital da InBev. Lemann e seus parceiros se comprometeram legalmente a não vender sua participação por 20 anos e ficaram com 50% do controle da nova empresa.

Por determinação da Lei das S/As, que rege as companhias listadas na Bovespa, a Interbrew teve de fazer uma oferta pública para comprar as ações ordinárias restantes. Ofereceu aos donos desses papéis ações da Interbrew ou o equivalente a 80% dos ganhos que os controladores tiveram ao vender suas participações. O direito, porém, não é estendido aos detentores de ações preferenciais, sem direito a voto, que viram os preços de seus papéis desabar após a divulgação do acordo. Dez dias depois do comunicado da operação, as preferenciais acumulavam perdas de 32%. O fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, Previ, detinha cerca de 14% dessas ações e chegou a perder mais de R$ 800 milhões. Posteriormente, o preço das ações voltou a subir. Daquele episódio até 20 de março último, segundo a companhia, os papéis valorizaram cerca de 200%.

O assunto é explosivo nos meios próximos a Lemann. “Nada me revoltou mais do que a reação dos minoritários quando ele [Jorge Paulo] fechou o negócio com a Interbrew”, afirma José Olympio. Ele chama os acionistas que se rebelaram de “investidores vestindo-se de vestais e reclamando porque o microondas que compraram não passava a novela das 8”. Explica-se: “Se você comprou ação preferencial, tem de saber que ela paga 10% mais, mas não tem tag along (direito de venda conjunta com o controlador). Se comprou ordinária, é o contrário. O que não dá é querer que um papel cumpra o que se espera do outro”. Reservadamente, o próprio Lemann costuma fazer comparação semelhante. “O cara comprou um Fiat, sabendo que era um Fiat, e depois achou que talvez tivesse uma Ferrari na garagem.”

Na mesma ocasião, o grupo controlador da AmBev foi atacado por supostamente vender o controle da empresa aos belgas. Carlos Lessa, então presidente do BNDES, chamou Lemann, Telles e Sicupira de “vendilhões do templo”. Na ocasião, disse: “esses três rapazes (…) são qualquer coisa, menos brasileiros”. Lemann nunca respondeu publicamente, mas, privadamente, acusou o golpe. “Não estão reconhecendo o nosso valor”, disse. “Falam bem de jogador de futebol que vai jogar na Europa e nos dão pancada, quando na realidade somos bem mais do que apenas jogadores. Somos donos, também.”

fonte: epoca negócios